📱📱 THAIS CARLA X NIKOLAS FERREIRA: SEU CORPO MINHAS REGRAS

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âžĄïžâžĄïž No paĂ­s em que deputados nĂŁo precisam trabalhar, a mulher gorda nĂŁo tem direito de existir

 

No domingo (5), durante a maior parte do dia, duas expressĂ”es predominaram no Twitter: ‘obesidade’ e ‘globeleza’. Ambas se referiam Ă  dançarina ThaĂ­s Carla, que foi atacada gratuitamente e totalmente fora de contexto pelo deputado Nikolas Ferreira (PL-MG) num dos episĂłdios mais tristes sobre gordofobia na internet.

 

É doentio pensar que o deputado mais votado em 2022 em vez de trabalhar para os motivos pelo qual foi eleito – nĂŁo que eu espere isso, que fique claro, sabendo de quem se trata – dedica-se a perseguir mulheres gordas e oprimi-las. E, nĂŁo satisfeito, posta pedidos de desculpas falso e endossando o que pensa: que pessoas gordas nĂŁo podem existir.

 

Postou ainda imagens manipuladas, como se fosse gordo, dizendo ter, entĂŁo, ‘lugar de fala’. Essa Ă© uma prova de que a extrema-direita brasileira nĂŁo tem limites morais. O nome disso Ă© mĂ©todo: cortina de fumaça. E Ă© cruel.

 

Ao fazer isso, Nikolas Ferreira se comunica diretamente com seu pĂșblico. Fala sobre liberdade de expressĂŁo. Diz que ThaĂ­s romantiza a obesidade, enquanto ele romantiza a estupidez. Enquanto o deputado faz isso, normaliza o discurso de Ăłdio em nome do conservadorismo, famĂ­lia e religiĂŁo e se diz ‘perseguido’ pelo politicamente correto. É a cara do grupo ao qual ele pertence: a opressĂŁo da luta dos dissidentes.

 

Quando o deputado faz isso, ele ajuda a matar as pessoas gordas. Para quem nĂŁo sabe, a cada 7 minutos, uma pessoa gorda morre no Brasil, sobretudo por causa da gordofobia – e nĂŁo por causa do corpo, como o discurso de falsa preocupação com a saĂșde tenta impor.

 

ThaĂ­s Carla Ă© uma mulher que possui muitos seguidores e nĂŁo se furta ao discurso de combate Ă  gordofobia e Ă  luta por melhorias para quem vive num corpo gordo. Ela trava embate, inclusive, com marcas. E fala sobre temas polĂȘmicos. E faz isso com bom humor, diversĂŁo e ostentando tudo que enlouquece uma sociedade gordofĂłbica: carisma, uma famĂ­lia linda, um estilo de vida confortĂĄvel e a ausĂȘncia de medo para meter o dedo na ferida e dizer o que tem que ser dito, com pena de perder contratos e patrocĂ­nios, mas sem se vincular a quem segue sendo gordofĂłbico.

 

E veja: nĂŁo Ă© sobre ‘liberdade de expressĂŁo’ nem sobre chamar uma pessoa gorda de gorda. É sobre usar uma caracterĂ­stica corporal de alguĂ©m para dizer que ela nĂŁo tem direito de existir e que, se ousar fazĂȘ-lo, deverĂĄ aguentar toda hostilização que conseguir. É exaustivo repetir, mas vamos lĂĄ: liberdade de expressĂŁo nĂŁo Ă© sobre ferir direitos humanos!

 

A grande questĂŁo Ă©: ainda que ‘obesidade’ seja considerada doença, por que tratar pessoas gordas com hostilidade e crueldade? Se elas estĂŁo doentes, por que culpĂĄ-las por isso? Por que as expor ao ridĂ­culo? Por que desumanizĂĄ-las?

 

Se entendermos, como Nikolas propÔe, que obesidade é uma doença, por que fazer piadas com isso? Ou vamos começar a ofender pessoas com cùncer, diabetes, etc. em nome da liberdade de expressão porque elas estão doentes?

 

Penso que nĂŁo Ă© – e nunca foi – sobre cuidado com a saĂșde de outras pessoas, mas sobre ditar regras sobre o corpo alheio. Nunca foi sobre ‘meu corpo, minhas regras’, mas sempre sobre ‘seu corpo, minhas regras’. E o mais triste: o julgamento nĂŁo Ă© sĂł deputado, que foi eleito para legislar, e nĂŁo fiscalizar o corpo de uma mulher. É desesperador ver como muita gente, incluindo as mais progressistas, se valem das piadas para menosprezar uma mulher gorda que nĂŁo fez absolutamente nada para ninguĂ©m, sĂł estĂĄ, na rede social dela, existindo.

 

A gordofobia Ă© doentia e mata, muito mais que o corpo gordo de alguĂ©m. Ela inviabiliza existĂȘncias em qualquer Ăąmbito que seja. E ‘rir junto’ com o deputado que deveria estar trabalhando em prol da população Ă© engrossar esse caldo.

 

Recentemente, um jovem preto e gordo morreu na porta de um hospital por nĂŁo existir maca do tamanho dele. O deputado, caso estivesse preocupado com a saĂșde das pessoas gordas, como alega em vĂ­deo, deveria ter pedido para investigar o caso por omissĂŁo de socorro e/ou ter criado projetos que beneficiem o acesso da população gorda e nĂŁo fazer piadinhas na rede social da qual deveria ter permanecido banido, afinal, nĂŁo satisfeito em atacar ThaĂ­s Carla, o deputado ainda criou uma fake news.

 

A Ășnica deputada que fez isso foi Erika Hilton. Preocupada com a inacessibilidade dos corpos gordos, fez um pedido de informação e possui um canal para dialogar com pessoas gordas e tentar promover mais acesso a estes corpos. É isso que um parlamentar faz. NĂŁo piada sobre o corpo dos outros.

 

A grande questão é: quando o deputado vai começar a trabalhar? No processo de reconstrução do país, o jovem, que se diz evangélico e aproveitou-se da penetração em uma igreja evangélica para se eleger, usa o discurso de ódio contra qualquer característica física que fuja da norma imposta.

 

No dia da posse, atacou o presidente Lula, chamando-o de ‘nove dedos’, destacando uma característica física, resultado do trabalho em fábrica (algo que o jovem deputado não conhece) como algo que remete a um defeito de caráter.

 

Vira e mexe o mesmo deputado faz piada com gays, com travestis e transexuais e não perde a oportunidade de ofender e incitar discriminação contra os corpos dissidentes, colocando sua branquitude e suposta heterossexualidade acima do bem e do mal e, reiterando que a passabilidade física lhe garante o poder que sempre almeja. Veja, ele nem sequer precisa trabalhar. Basta usar as redes sociais como isca para polemizar e, assim, conquistar mais adeptos.

 

Como eu disse anteriormente, a luta contra a gordofobia talvez seja a Ășltima porta a ser cruzada na batalha pela existĂȘncia dos corpos dissidentes. Ela encontra agressores inclusive entre quem se pretende cĂșmplice. NĂŁo raro, pessoas do campo progressista endossam o discurso de Nikolas de diferentes formas e compartilham posts do deputado rindo de pessoas gordas – e o mesmo conta, justamente, com isso.

 

Perdi as contas de quantas pessoas que, assim como eu, ‘fizeram o L’, mas unem-se ao discurso raso e estĂșpido que permeia o paĂ­s e concordam com Nikolas quando o assunto Ă© gordofobia, debochando de uma mulher gorda atĂ© a exaustĂŁo.

 

A gordofobia Ă© uma arma institucionalizada de opressĂŁo. E consegue, como vemos, unir direita e esquerda em prol de uma pauta comum – e lamentĂĄvel: oprimir mulheres gordas que estĂŁo sĂł existindo.

 

E aí vão dizer: mas ela se expos, mas ela quis, mas se ela quisesse, emagrecia; ela é gorda porque quer; ela romantiza a obesidade; obesidade é doença; ela processa todo mundo, etc. Mas ninguém vai dizer: como serå que estå a cabeça de uma mulher que postou uma recordação e foi atacada por 24h numa das principais redes sociais do país e se tornou assunto, alvo de fakenews e foi massacrada por existir?

 

Qual seria a punição para Nikolas Ferreira? Sabemos que um processo faria pouca diferença. Um jornalista sugeriu a cassação. Embora represente o pior que exista num ser humano, sabemos que vivemos no Brasil. Quando um deputado seria cassado por gordofobia?

 

Se ‘obesidade’ Ă© um problema de saĂșde pĂșblica, por que nĂŁo criar projetos sobre, ao invĂ©s de fazer piada e massacrar pessoas?

 

A sensação que tenho, enquanto mulher gorda, Ă© que um deputado magro e ‘padrĂŁo’ pode tudo. JĂĄ Ă  mulher gorda nega-se o direito Ă  existĂȘncia. A melhor coisa seria que Nikolas nĂŁo existisse, assim como nĂŁo nos permite existir.

 

Fonte: E.M