Presos de Minas conquistam vagas em instituições públicas de ensino superior
Jovens que abandonaram os estudos e concluíram os ensinos fundamental e médio em um presídio ou penitenciária. Esse é o perfil de vários detentos, em cumprimento de pena nas unidades do Departamento Penitenciário de Minas Gerais (Depen-MG). E, agora, quinze deles, de um total de 288 inscritos no Sistema de Seleção Unificada (Sisu), do Ministério da Educação, estão aptos a estudar em instituições como a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), a Universidade Federal de Uberlândia (UFU) e a Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes).
No caso destes jovens e adultos presos, eles fizeram o Enem para Pessoas Privadas de Liberdade (PPL), que tem o mesmo nível de dificuldade e exigências do Enem realizado fora das prisões. A prova, organizada pela Diretoria de Ensino e Profissionalização do Depen-MG e realizada pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), é gratuita e de participação voluntária.
No último Enem PPL participaram 4.210 detentos, de 156 unidades prisionais de todas as regiões do estado. Na lista de selecionados no Sisu há unidades prisionais de municípios de quase todas as regiões mineiras: Barbacena (Campo das Vertentes); Juiz de Fora e Muriaé (Zona da Mata); Botelhos (Sul de Minas); Canápolis e Uberlândia (Triângulo); Contagem, Lagoa Santa e Matozinhos (Central); Januária e Montes Claros (Norte de Minas); e Unaí (Noroeste).
Cursos de diferentes áreas do conhecimento foram escolhidos pelos detentos/alunos: Ciências Sociais, Administração, Hotelaria, Agroecologia, Matemática, Letras, Ciências Biológicas, Engenharia Agrícola e Ambiental, Física e Ciências da Religião.
Classificados
Um dos destaques na conquista de uma vaga em uma instituição de ensino superior federal é Charles Henrique da Silva, 33 anos. Ele obteve 880 pontos na redação, a segunda maior pontuação no Enem Prisional em Minas Gerais, que teve como tema “A falta de empatia nas relações sociais no Brasil”. Charles já está com a pré-matrícula feita na UFJF, no curso de Administração.
Ele relata ter se esforçado muito, pois durante o dia trabalha em uma fábrica de bolsas na Penitenciária de Juiz de Fora II (Ariosvaldo Campos Pires). “Tive muita ajuda da Leilane — pedagoga da penitenciária — que me orientou nos estudos, me ajudou na produção de textos e conseguiu livros para eu estudar na cela”, ressalta.
Charles é um dos muitos detentos que conseguiram concluir os estudos na penitenciária. Apesar de estar no regime fechado, ele já vai iniciar a graduação, pois as primeiras disciplinas serão na modalidade de educação a distância. Para isso, já foram providenciadas uma sala e um computador na penitenciária.
A diretora de Ensino e Profissionalização, Regina Dias Duarte, chama a atenção para a importância de um trabalho multidisciplinar, realizado nas unidades, de modo a despertar os indivíduos para o mundo do conhecimento. “Os pedagogos, psicólogos e assistentes sociais, juntamente com todos os outros profissionais da área de atendimento e segurança, têm conseguido sensibilizar grande parte da população carcerária para o estudo e o trabalho”, lembra a diretora.
Lucas Marcone, 30 anos, do Presídio de Lagoa Santa, é outro dos detentos da lista do Sisu. Ele passou no Instituto Federal de Educação de Rio Pomba para cursar EcoAgricultura no próximo semestre. Por ser um curso presencial e ainda estar no regime fechado, ainda terá de aguardar. No entanto, vai continuar no curso de graduação a distância em Marketing, pela faculdade UniCesumar.
“Vejo no estudo uma oportunidade de mudar de vida e dar exemplo aos meus familiares. Serei o primeiro da família a poder ter um diploma de curso superior’’, conta. Feliz com o resultado, Lucas ainda pretende utilizar a nota do Enem para conseguir uma bolsa de estudos, via Programa Universidade para Todos (Prouni).
Apoio
Elisângela Marcondes é policial penal e responsável pelo Núcleo de Ensino do Presídio de Botelhos. Sua experiência profissional como professora de Química, durante 12 anos, nas redes pública e privada de ensino, faz toda a diferença no trabalho de estímulo ao estudo e conhecimento na vida dos detentos da unidade.
Ela conseguiu montar uma biblioteca no presídio, com ajuda de doações de pessoas do município e região. Os livros chegam às mãos dos detentos, com orientação da policial penal, que também incentiva o estudo de uma forma geral e tira dúvidas na área de ciências exatas.
A policial penal/professora tem orgulho em falar do detento Igor Silva Costa, 22 anos, que já assiste pré-aulas on-line do curso Interdisciplinar em Ciências e Tecnologia da Universidade Federal de Alfenas (Unifal). “Ele é um exemplo de que a possibilidade de mudança é real, apesar de todas as dificuldades.”